quinta-feira, 9 de abril de 2015

"Babilônia" e a Memória Social

Por Luiz Filipe Paz


Dentro do conceito de Espaço Urbano, há um campo onde a memória é abordada como objeto de conhecimento coletivo e cultural em um determinado contexto coletivo: trata-se da Memória Social.

Diferentemente das metrópoles que, a partir da chegada da eletricidade têm observado transformações bastante significativas ao longo dos últimos séculos, este processo social, de relativa proximidade entre memória e identidades, encontra-se em um desenvolvimento de mudanças não tão acelerado quanto o anterior. Prova disto foi a recepção negativa que a nova telenovela do horário das 21h da Rede Globo, "Babilônia", recebeu. É importante ressaltar aqui que nosso foco de análise se manterá neutro, respeitando e possibilitando mais de um ponto de vista.

Com temas considerados ousados (como a abordagem de personagens homossexuais na terceira idade, personagens ninfomaníacos, divergências "acaloradas" entre pais e filhos, entre outros), a trama chamou a atenção por ter exibido, logo em seu primeiro capítulo, uma cena de beijo gay entre as atrizes Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. Ora, mas qual o porquê de tanto alarde para  realidades presentes em nossa sociedade desde muitos e muitos anos? A resposta é simples: tratam-se de situações onde a comunidade insiste em realizar a manutenção de seu conservadorismo.

Em outro polo, Massimo Di Felice (em seu livro "Paisagens Pós-Urbanas"), atribui vários significados para o conceito de 'habitar'. Um deles diz respeito à fase comunicacional digital, onde há a introdução dos mundos informativos e virtuais - como ele mesmo conceitua - no paradigma espacial dos seres humanos. 'Habitar' aqui se refere, antes de tudo, a condições sensoriais, a formas de perceber e sentir os contextos. 
E foi isso o que aconteceu com os telespectadores da novela. Com a maior parcela deles não confortável com a transmissão e o encadeamento do enredo e personagens, promoveram o que, em vários sites de notícias televisivas se convencionou chamar de "boicote" à trama. A audiência do horário, que costumava oscilar entre 36 e 38 pontos, despencou para 25. Líderes religiosos foram os grandes responsáveis por influenciar, muitas vezes em formas de posts no Facebook, seus seguidores (alegando que os mesmos e suas famílias estariam sendo corrompidos dentro de suas próprias residências), mais uma vez se valendo da capacidade sensitiva que possuímos.

Dias depois, a Rede Globo percebeu que mudanças deveriam ser realizadas na estrutura narrativa da novela. Amenizaram o som, diminuíram o número de carícias entre as personagens homossexuais, clarearam a fotografia, mudaram destinos de personagens e núcleos inteiros e, até mesmo, providenciaram uma nova abertura e uma nova logomarca (se antes ela era mais sombria, ganhou agora tons mais florais e abertos).


Antiga logotipo da trama



Logotipo atual



Esta situação mostra, de acordo com Felice, como há realmente a interpenetração entre indivíduos e ambientes com o advento da comunicação digital, podendo ocasionar mudanças em estruturas e paradigmas, modificando os modos de interação entre os indivíduos e determinados objetos. Trata-se, na visão do mesmo autor, do chamado "Habitar Empático", onde o sujeito transforma o texto (no caso, a novela) em espaço (espaço este no qual ele se sinta familiarizado). As concepções pré-determinadas de natureza humana ainda ditam a vida social, bem como suas relações culturais.

Para finalizar, um questionamento: Massimo Di Felice diz que, com o surgimento das mídias audiovisuais, as obras derivadas daí se posicionarão autônomas em relação ao sujeito - ou seja, seguirão seu rumo independentemente das críticas que receberem ao longo do caminho. Mas será que uma novela, considerada como obra aberta e passível de mudanças, se encaixa nesta definição, neste nível tamanho de autonomia? Será a sociedade a grande maestra desses produtos audiovisuais? Será que a emissora exibidora da telenovela, em pleno cinquentenário, perdeu uma grande oportunidade de mostrar que "as abordagens consideradas como 'ofensivas ao conservadorismo' são uma realidade e devem sim ser respeitadas como tal, sem mais reconfigurações"? Nada podemos afirmar em um momento onde os fluxos sociais se mostram cada vez mais difusos e as relações com o ambiente estão cada vez mais complexas.








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